Eu? Eu só vim tirar uma dúvida Aí, senhora, aguarda no pátio aí Não queria um encontro nessa circunstancia Preferia um churrasco, futebol com criança Mas eu que vacilei, desculpa aí essa é a errata Do meu jogo sujo, coração de barata Um bicho que mata com ódio e covardia Minha cabeça maquinava vazia Mas tem alguma coisa aqui dentro que me corrói Assassinei seu super-herói Desculpa aí pelo rancor Mais um coração posto a prova da dor, que horror Entendo que não tem volta, é um buraco sem remendo Agora não adianta, mas de tudo me arrependo Tudo que eu tinha você me tirou Meu filho, meu sorriso, todo amor Te chamei aqui pra dizer o quanto eu sinto É embaçado, não adianta, mas tô arrependido Três anos atrás do muro, guardado no fundo De uma cela abarrofada, cheia de fungo Banheiro imundo, com cheiro das trevas, calor absurdo Tuberculose prolifera Nessa luz escura, num clima de tortura Quis ser mais esperto, quase fui pra sepultura A monstruosidade que eu sempre apliquei Tá dentro da cela comigo, é um armazém Eu que fiz refém, aqui sou aprendiz Reflito como foi desonesto o que eu fiz Não é que isso aqui reabilitou um infeliz Mas é porque agora encontrei meu juiz Eu de cabeça baixa, sem força, indefeso Cansado das mágoas, da dor, do desprezo Nada mais me importava, o crime, os presos Como se cada lágrima tirasse um peso O passado e a saudade como posso apagar? Impossível esquecer, não é fácil perdoar Pela sua voz eu entendo o sofrimento Deve ser difícil perdoar, eu lamento Jesus me perdoou pela perda, pela dor Espero que a senhora também um dia me perdoe Não sei se senhora acredita em transformação Eu não acreditava e Deus mudou um ladrão Explicar com palavras é embaçado, e não Tem palavras suficiente pra explicar a conversão Eu sei que pedir mil desculpas não adianta Mesmo as mil desculpas sendo verdadeira e franca Minha humilhação não devolve a esperança O orgulho que te arranquei e que agora sangra E molha o seu rosto com melancolia E escorre como o choro de amor e agonia Quanto vale essa tormenta trágica? Me fale por favor o preço de uma lágrima! Lágrimas não tem preço, meu rapaz Só eu sei a falta que ele faz E agora está tudo acabado, jamais a vida volta pra trás Meu conselho era simples Não roube, trabalhe, conquiste Eu vim até aqui pra saber porque você cometeu esse crime Talvez pelo país onde todo mundo deve Onde todo mundo rouba, sei lá, tem mão leve Desde o primeiro cidadão de Portugal Se é desde o começo, imagine o final O motivo era banal, um pouco mais de um real Nem sei por que matei, talvez respeito e tal Não quero seu dinheiro, não quero nada seu! A fita era pra ontem rapá! Aí, dona, seu filho vai subir! O passado e a saudade como posso apagar? Impossível esquecer, não é fácil perdoar Não era a cara dele, na verdade, a de ninguém Era pra ele estar na aula e eu também Ele não tinha malicia, só ibope com as Patrícia Mas tava me atrasando, e o pior, virou notícia Senhora, perdoe a minha aberração Por ter matado seu filho, te peço perdão Ainda sonho com seu rosto, não esqueço dos seus gritos Quando atirei no peito menino Ah, eu não pude acreditar Eu corri, corri, eu corri mas não consegui lhe salvar Ah, meu filho, deitado sem forças No meu colo mexendo a boca tentando falar Mãe sua voz tá ficando distante Não solta minha mão, não, em nenhum instante Tô ficando com medo, e essa poça de sangue? Tá tudo escurecendo e dá pra ver de relance O pessoal da sala, o que tão fazendo? Nem bateu o sinal, eu não entendo! Mãe o sangue é meu e tá por todos os lados Olha no pneu da ambulância, tá lotado! Mãe eu tô com frio e tá ficando tudo escuro Quando isso acabar, vou mudar, eu juro Porque fizeram isso comigo? O que aconteceu? E essa lágrima no seu rosto, mãe, é um adeus? Fala pro meu pai que não foi falta de sorte Só não segui seu conselho, talvez ele não suporte E pro meu irmão aprender com a minha morte Mãe, eu te amo, me aperta bem forte O passado e a saudade como posso apagar? Impossível esquecer, não é fácil perdoar Você arrebentou com a minha vida Meu filho não volta mais Mas contudo não vejo outra alternativa Eu te perdoo