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Rock brasileiro fecha 2018 com três baixas; uma crise está a caminho?

De acordo com a frieza dos números, o século XXI tem sido uma incógnita para o rock nacional. Entre altos e baixos nas vendas e nas paradas de sucesso, o estilo vive uma constante gangorra.

Pitty trouxe a fúria do rock baiano (Foto: Divulgação)

O início do novo milênio deu indícios de que o rock brasileiro continuaria a viver tempos áureos. Com a venda de 1 milhão de cópias de seu “Acústico MTV”, por volta de 2001, o Capital Inicial renascia das cinzas e deixava claro que o estilo também sabia ser comercial. Em paralelo, nomes de décadas anteriores, como SkankCharlie Brown Jr., Ira! e O Rappa mantinham o pop rock nacional em evidência e abriam caminhos para que Pitty, Nx Zero, Fresno e toda uma geração pedisse passagem e encontrasse seu lugar ao sol.

Até a mídia popularesca enaltecia os feitos do rock nacional (Foto: Divulgação)

Com a MTV ainda exercendo forte influência no cenário, parecia que o pop rock brasileiro iria decolar voos cada vez mais altos. Porém, a lua de mel não durou muito tempo. Com o decorrer dos anos, o estilo começou a perder espaço na preferência do público jovem e chegou em uma fase crítica protagonizada por Restart, Cine e derivados.

Contra tudo e contra todos

A chegada da década de 2010 sinalizou a coroação do período de turbulência no pop rock nacional. Sem espaço nos grandes meios de comunicação, o estilo viu os desdobramentos do sertanejo liderarem a preferência do público brasileiro. Em 2016, por exemplo, nem uma música de rock esteve entre as 100 mais tocadas no Brasil.

Entre idas, vindas e fins de algumas bandas, o mainstream chega ao fim da década tentando se manter e se renovar. Já sem muito espaço nos grandes meios de comunicação, o cenário testemunha o crescimento de Scalene, Far From Alaska, Boogarins, Carne Doce, entre outras bandas.

Em contrapartida, por motivos de força maior, o CBJR acabou, Ira!, Barão Vermelho e RPM voltaram com novas formações e fazem do passado de glórias a pedra angular para se manterem relevantes. Contra tudo e contra todos, Paralamas, Jota Quest, Humberto Gessinger, Raimundos, entre outros grandes nomes continuam suas jornadas.

Baixas lamentáveis

Apesar dos retornos e ascensões citados acima, algumas lamentáveis “pausas por tempo indeterminado” estão marcando o fim da década atual. Em 2018, o cenário foi surpreendido com as baixas de MatanzaO Rappa Cachorro Grande. O trio que saiu de cena formaria um interessante “meio de campo de uma eventual seleção brasileira de pop rock”.

O que pode ser mais rock and roll do que ter o próprio festival? (Foto: Divulgação)

Muito mais do que uma autêntica banda de countrycore, Matanza deixa um legado impagável. Com mais atitude do que muito “punk raiz”, o quarteto sempre levou a sério o mantra “faça você mesmo”. Surgida no Rio de Janeiro, berço do samba e do funk carioca, o quarteto driblou a questão geográfica e mostrou que o rock nacional também sabe ser “fora da lei”, isto é, tem como “meter o pé na porta” e dar um chega pra lá nos atos politicamente corretos. Além do mais, os caras criaram um festival itinerante, o icônico Matanza Fest, que deu oportunidades para que outras bandas fizessem um som em palcos do Brasil inteiro.

Música d’O Rappa é pra dançar com o corpo e com a mente (Foto: Divulgação)

Conterrânea do Matanza, mas com alguns anos a mais de carreira, a banda O Rappa também desfalca o time de gigantes do rock nacional. Com fortes influência do rap, do samba e do rock, o quarteto ficou conhecido por fazer uma sonoridade particular e sem imitações. Outro ponto forte do legado dos caras são as letras. Como poucos de sua geração, o grupo soube fazer canções críticas, contestadoras e existenciais. Em tempos tão sombrios para a sociedade brasileira, o discurso inteligente d’O Rappa já faz muita falta.

Quinteto soube honrar a escola de rock gaúcho (Foto: Divulgação)

Apesar de anunciadas nesta no mês de novembro deste ano, as “férias” da Cachorro Grande começarão em 2019. Para a tour de despedida, as feras do rock gaúcho repatriaram o guitarrista original, ou seja, o músico Marcelo Gross vai cair na estrada com seus antigos companheiros. Com 18 anos de carreira, o quinteto surgiu num momento de entressafra e marcou o último período de ouro da MTV. Com um rock visceral e performances arrebatadoras, a banda conquistou seu espaço e criou um público cativo.

Heróis da resistência

Com exceção da Cachorro Grande, que não explicitou o motivos, as outras bandas alegaram algum tipo de “divergência” como fator determinante para o fim das atividades. No caso d’O Rappa, conflitos internos foram a gota d’água. Já para o Matanza, o fim foi motivado por incompatibilidades, talvez não exatamente de gênios, mas de expectativas e anseios dissonantes entre os integrantes.

Com o fim dessas três bandas, o rock brasileiro não vai acabar e tampouco mergulhar em uma espiral negativa. O estilo está apenas caminhando a passos largos para os nichos e, de certa forma, voltando à origem de tipo de música sectário e apreciado por ciclos formados por pessoas donas de interesse comum.

Carne Doce é uma banda “heroína da resistência” (Foto/Divulgação)

A todo jeito e a todo custo, o show vai continuar. Na corrida pela relevância, novatos e veteranos sempre conseguirão usar da reinvenção e terão o apoio de seu público mais fiel.

Por mais que roqueiro brasileiro já não mais tenha “cara de bandido”, como um dia cravou a também aposentada Rita Lee, o rock não está em crise. O rock é a crise…

Foto de Gustavo Morais

Gustavo Morais

Jornalista, com especialização em Produção e Crítica Cultural. Pesquisador independente de música, colecionador de discos de vinil e mídias físicas. Toca guitarra, violão, baixo e teclado. Trabalha no Cifra Club desde novembro de 2006.

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