Ouvi dizer que a milonga Andava com a espinha torta E até ouvi comentários Que a milonga estava morta Então quem foi que esta noite Veio golpear minha porta? Acordei de madrugada Inquieto e meio nervoso E fui terminar o pouso Abraçado na guitarra Parecia uma fanfarra A mescla de corda e voz Uma milonga entre nós E eu grudado na guitarra Só lá pelas quatro e meia Já na madrugada longa Eu controlei a milonga Sem entortar harmonia Enquanto ela me dizia Num tom grave, mas sincero "Ou tu canta como eu quero Ou não vê clarear o dia" "Tum tum tum, tum tum tum" A milonga repetia E eu não chorava nem ria Com os olhos que eram braseiro Mas quem nasce milongueiro Mesmo com a vida num fio Não refuga desafio E nunca corre primeiro E as horas foram passando E eu já parecia outro Ela viu que eu era potro Mas disse "não te amedronta Ninguém venceu, faz de conta Que aqui nada se passou" Mas quando o sol apontou Eu tinha a milonga pronta! E ainda, meio cansado Depois desse pega-e-solta Com jeito, campeei a volta Antes que ela fosse embora E perguntei sem demora Porque eu sou curioso assim "Conta em segredo pra mim, Onde é que a milonga mora?" E a milonga então me disse "Não é segredo, parceiro Já morei com o missioneiro Que tinha n'alma um violão Eu durmo em qualquer galpão E desperto com a boieira Mas, se tu for da fronteira, Eu moro em teu coração" E não pude mais contê-la Quando enveredou pra porta Me gritando "eu não tô morta, E pra frente há muita lida Por ora estou de partida E a razão pouco me importa Mas volto a golpear tua porta Porque o teu rancho tem vida" Nem cuidei de despedida Senão o pranto me agarra Afinei bem a guitarra E num dedilhado assim Pelo pago me perdi Conforme a milonga manda Eu não sei onde ela anda Mas foi quem me trouxe aqui!